Carta foi elaborada após evento que celebrou os 190 anos da imigração alemã para Santa Catarina com lançamento do livro “Atas Históricas do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville — 1892 a 1938”
Estabelecer uma aliança entre entidades e poder público para o resgate da cultura germânica em Joinville, preservação da memória e patrimônio histórico. Esta é a síntese da Carta de Joinville, documento elaborado ao fim do evento que celebrou, em Joinville nesta terça (20.agosto), os 190 anos da imigração alemã para Santa Catarina. Para tanto, se uniram a Associação Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, a Sociedade Cultural Alemã de Joinville e o Instituto Carl Hoepcke em um dia de palestras, debates, exposição e o lançamento do livro “Atas Históricas do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville — 1892 a 1938”. A cerimônia foi realizada no Corpo de Bombeiros Voluntários e, o encerramento, com a leitura da Carta, na Sociedade Cultural Alemã de Joinville.
O cônsul honorário da Alemanha em Joinville, Rodrigo Bornholdt, destacou a importância de se preservar a memória dos imigrantes que deixaram como legado uma cultura alicerçada no trabalho, disciplina e espírito cooperativo. O exemplo maior do “espírito cooperativo” dos fundadores de Joinville é o Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, um modelo pioneiro no país. “São 127 anos ininterruptos, 24 horas por dia, de serviços prestados à comunidade no que diz respeito a salvar vidas e patrimônio”, reforçou Moacir Thomazi, presidente da Associação. Em 2018, os bombeiros voluntários somaram 159 mil horas de serviços gratuitos em escalas operacionais.
A principal contribuição da Associação Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville ao evento foi o lançamento, durante o evento, do livro “Atas Históricas do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville — 1892 a 1938”, viabilizado por meio do projeto Meio Século de Registros do Alemão para o Português, desenvolvido pelo Museu Nacional dos Bombeiros Voluntários com recursos do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec).
Com 508 página, o compêndio traz as transcrições fiéis dos registros das reuniões do Conselho Administrativo e comando da Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntários; das reuniões extraordinárias; assembleias gerais, ordinárias e extraordinárias, bem como as notas dos atos da Sociedade do período em que eram feitos em alemão — prática que foi abolida por imposição da Campanha de Nacionalização.
Os documentos, a maioria em alemão gótico e sütterlein, foram traduzidos por Helena Rischlin, trabalho que se deu ao longo de 14 meses. “Esta obra é uma fonte primária de informações sobre os bombeiros e Joinville do fim do século 19 e início do século 20 que agora está disponível em língua nacional”, observa a historiadora, museóloga e diretora do Museu Nacional dos Bombeiros Voluntários, Dolores Tomaselli.
Idioma e patrimônio
A presidente da Sociedade Alemã de Joinville e o presidente honorário, Norma Ladis Kricheldorf e Carlos Adalto Virmond Vieira, juntamente com a presidente do Instituto Carl Hoepcke (ICH) e bisneta do patrono, Annita Hoepcke, e o superintendente do ICH, Max José Müller, participaram de mesa redonda com o tema “Avanços e limites no processo de salvaguarda da cultura germânica: O exemplo do Instituto Carl Hoepcke e da Sociedade Cultural Alemã no Século 21.”
Carlos Adalto destacou a iniciativa da Sociedade Alemã, em conjunto com o Instituto Brasil-Alemanha de Joinville, de preservação da língua. “A Sociedade Alemã foi fundada com a intenção de resgatar e função de reatar os laços entra a cultura dos imigrantes e a cultura que o povo alemão desenvolveu pós-Segunda Guerra Mundial”, observou. “Faltava uma Sociedade que fosse o agente aglutinador para mostrar a verdadeira face da Alemanha contemporânea.”
Nestes 20 anos de existência o propósito da Sociedade Culural Alemã de Joinville foi mantido por meio de incentivo a grupos de conversação e música. Desse trabalho surgiram os Domingos Musicais, que promovem apresentações no primeiro domingo do mês ao lado do Cemitério do Imigrante, e o Prêmio Hilda Anna Krisch, que reconhece o esforço de pessoas e entidades em favor da preservação da cultura germânica — em 17 anos de existência, o prêmio já foi entregue a 70 personalidades.
“O que nos deixa muito orgulhos, também, é a realização de intercâmbios entre artistas, tanto dos que vão para a Alemanha quanto dos que vem conhecer o que produzimos aqui, principalmente o público jovem ”, disse Norma. Annita Hoepcke tem a mesma percepção quanto ao comportamento das novas gerações. “Sentimos um interesse cada vez maior nos jovens em buscar suas raízes,” afirmou.
Para dar suporte a esse movimento, o ICH mantém um centro de documentação e memória com acervo composto por documentos, fotos, mapas, livros e objetos relacionados à história da empresa, da família Hoepcke, de diversas cidades e outros fundos relacionados à imigração alemã em Santa Catarina.
Acolhimento dos espanhóis
Paralelo ao evento, foi apresentada a exposição “História Repatriada” que revela documentos inéditos sobre alemães em Santa Catarina durante a Segunda Guerra Mundial. A mostra é composta por grandes painéis que reproduzem partes dos cinco mil documentos descobertos pela professora doutora espanhola Elda Gonzales Martinez, do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), de Madri, quando realizava pesquisas no Arquivo Central do Governo, na cidade de Alcalá de Henares, também na Espanha, em 2015.
Graça a uma parceria entre o Instituto Carl Hoepcke e o Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (Labimha) da UFSC, com apoio da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) de São Leopoldo (RS) e do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), de Madri, na Espanha, os documentos foram repatriados para o Brasil. O estudo foi conduzido pelo professor doutor em história pela UFSC, Manoel Teixeira dos Santos, pode ficar três meses na Espanha fazendo a seleção do material. Em Joinville, a exposição ficará aberta à visitação até 10 de outubro, na biblioteca da Unidade Central do Corpo de Bombeiros Voluntários.
Durante a palestra, ele observou que o conjunto de pesquisas por meio do projeto História Repatriada trouxe à tona documentos até então desconhecidos da historiografia, que revelam parte da história pouco conhecida: a participação da diplomacia espanhola no atendimento aos alemães no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, os papéis trazem indícios que apontam para um novo cenário que pode, a partir de pesquisas futuras mais detalhadas, mudar a historiografia local e mesmo internacional da época.
“Espero que seja apenas uma das oportunidades que podem surgir nessa interação efetiva entre os vários segmentos que pensam, preservam e valorizam a cultura alemã e catarinense de uma forma geral.”
O evento em comemoração aos 190 anos da imigração alemã para Santa Catarina contou com a participação do vice-prefeito Nelson Coelho, do presidente da Sociedade Harmonia Lyra, Álvaro Cauduro; do vice-presidente da Associação corpo de Bombeiros Voluntários, Ivan Hudler; do comandante do CBVJ, Carlos Kelm; da Equipe Tradição dos Bombeiros Voluntários; do secretário executivo da Associação, Matheus Cadorin; e da tradutora Helena Rischlin.
Serviço
O quê: “Atas Históricas do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville — 1892 a 1938”
O livro pode ser acesso, inclusive para download, no site www.cbvj.org.br , página Museu.
É de graça
O quê: Exposição “História Repatriada”
Quando: Aberta à visitação até 10 de outubro, diariamente, em horário comercial
Onde: Biblioteca da Unidade Central (rua Jaguaruna, 13)
É de graça
ÍNTEGRA │ CARTA DE JOINVILLE
ALIANÇA PELA CULTURA (BÜNDNIS FÜR KULTUR)
A Associação Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, a Sociedade Cultural Alemã de Joinville e o Instituto Carl Hoepcke se uniram para comemorar os 190 anos da Imigração Alemã em Santa Catarina, destacando que as raízes germânicas se tornaram parte indissociável da identidade cultural de nosso Estado.
O objetivo maior desta Aliança pela Cultura (Bündnis für Kultur) é chamar a atenção dos representantes do poder público e da sociedade civil organizada para a importância do resgate e da preservação da cultura germânica em Joinville.
A preservação da cultura germânica é, antes de tudo, um dever da sociedade contemporânea perante as gerações passadas e futuras. Às passadas, para honrar os gigantescos esforços dos imigrantes para o desenvolvimento socioeconômico de Santa Catarina, que tornou nosso Estado destaque no cenário nacional. Às futuras, para permitir que elas conheçam e aprendam a valorizar as nossas raízes históricas, compreendendo o verdadeiro significado de ser cidadão catarinense.
E esta valorização passa pelo reconhecimento do incansável trabalho das diversas entidades que preservam a cultura germânica em Joinville, como a Sociedade Harmonia Lyra, o Instituto Cultural Brasil–Alemanha, a Sociedade Cultural Lírica, a Comunidade Luterana, entre tantas outras.
Também o Consulado Honorário da Alemanha em Joinville tem papel preponderante nessa Aliança, pois representa uma ponte que nos aproxima da Alemanha de hoje, importante parceiro econômico e cultural de nossa cidade.
Como primeira medida concreta desta Aliança pela Cultura, nos cumpre conclamar que o Município de Joinville, a Associação Empresarial de Joinville (ACIJ), a Ajorpeme, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Joinville (CDL), entre outras entidades públicas e privadas, se sensibilizem para a urgência em se promover a recuperação, restauração e atualização dos marcos históricos da cidade, alguns em situação de adiantada deterioração, a saber:
- O Monumento ao Imigrante, obra icônica do artista Fritz Alt, que foi vítima de vândalos e não tem perspectiva de restauração no curto prazo;
- O Arquivo Histórico de Joinville, repositório maior da memória da imigração, cujo delicado acervo exige redobrados cuidados à conservação;
- O Museu Nacional de Imigração e Colonização, patrimônio nacional que precisa ser reaberto ao público, pois se trata de espaço de grande significado para a memória da imigração no sul do Brasil;
- O Museu Casa Fritz Alt, o qual, adquirido com recursos da sociedade e do município, necessita urgentes obras de recuperação para que possa ser reaberto à comunidade;
- O Cemitério do Imigrante, tombado pelo patrimônio histórico nacional, em cujo solo sagrado repousam os artífices da Manchester Catarinense.
Destacamos que a lista acima não é exaustiva, pois há muitos outros monumentos reclamando maior atenção e cuidado, mas ela destaca alguns que devem ter prioridade neste primeiro momento.
Também com grande apreensão assistimos ao desaparecimento gradual das sociedades e dos eventos tradicionais de Joinville, que carecem de apoio pela falta de uma legislação que desburocratize o investimento em cultura, seja pela via da renúncia fiscal, dos editais, ou do patrocínio direto.
Há que se resgatar os clubes tradicionais de atiradores e as festas típicas germânicas, a exemplo do que se observa em relação à Festa das Flores, evento que se consolidou em nosso calendário cultural graças aos esforços de um grupo de abnegados descendentes de alemães.
A valorização da cultura deve ser entendida, também, como fomento ao turismo, importante fonte de emprego e renda, mas que passa, necessariamente, pelo resgate do amor do joinvilense por sua cidade.
Temos de refundar a Cidade das Flores, espalhando cores por nossos jardins; temos de refundar a Cidade das Bicicletas, incentivando este tão tradicional meio de transporte e lazer; enfim, temos de dar as mãos, poder público e comunidade, para honrar a Joinville que recebemos de nossos imigrantes, limpa, bela e organizada, tornando nossa cidade, cada vez mais, um lugar aprazível para se viver, trabalhar e amar.
Joinville, 20 de agosto de 2019